quarta-feira, 27 de agosto de 2008

jardins

Sentou na cadeira e começou a cortar. Os cabelos, sem corte há tempos - não lhe restavam horas, não lhe restava dinheiro -, passados por entre os dedos, nas manhãs-tardes de ressaca no sofá. Cortou os pés que caminhavam pela grama, ao lavar o carro imundo de lama daquele poço de onde vinha todos os dias, onde sugava e jogava sua vida de uma corda repleta de nós. Enquanto isso ela se mantinha em frente ao fogão, a vida toda escrita nas mãos em cortes e cicatrizes sem cura. Dizia-se pura, até quando - momento ao qual lograram à ele certa loucura - ele se viu perdido em uma vontade incurável de mergulha-la naquele poço, com a corda enroscada ao pescoço. Os nós perfurando a pele dela, enquanto ele ejaculava e se deliciava de um prazer inocente. Sua única felicidade acabou quando seus pulsos seguravam o ar, e ela seguia caindo por aquele imenso buraco. Sobraram a ele, os olhos imensos e brancos, dispersos por aquele buraco tão fundo, mas tão fundo, que só não era maior do que o que afirmava carregar no corpo.
Embebedou-se daquela porra toda, enquanto ela se arrastava pelos cantos do quarto. Quando acendeu a luz, não havia ninguém. Entre aquelas paredes só restava uma sombra consumida pela culpa. Sobravam-lhe cinco anos da conta que tinha feito aos 35. Foi só o tempo de imendar as feridas, e do fio soltar-se logo que admitiu - não tinha culpa - era o carro mal lavado, o serviço mal pago. Arrastou o fio pelas veias, para encontrar-se no gelo que lhe parecia familiar.
Tatiana Plens

quinta-feira, 10 de abril de 2008

cidade arranha-céu


Cidade quadrada, chata, dona de um submundo onde quem não tem o que comer, cata. Nos mesmos buracos onde entope água pelos bueiros das ruas que você passa preocupado com o trânsito, dentro da sua mais nova aquisição - Puta que pariu, mas essa cidade não anda! Cidade cheia de pés, que vivem da correria, acordam todo dia sem tempo nem mais pro café - onde tem, para quem tem. Há suborno até do tempo. Tantos pés afundados no concreto, abaixo deles e diante dos olhos. Janelas de vidro se multiplicam, são espelhos e aquecem o que é frio, de ilusão. Quadrados grandiosos e transparentes que enchem as ruas de preto. Avenidas com carros amontoados, nos cantos, caindo pelos barrancos, nos mesmos onde crianças dormem no chão, onde não há colchão, nas casas empilhadas de quem em lugar de talher guarda enxada - Pra quem cata, ter o que comer já é mérito. Encontro crédito em cada esquina, onde dinheiro parece cair do céu e na verdade é para outro lado, buraco sem fundo.
No final da noite, seja zona norte ou sul, empilhados sobre o chão em frente à padaria ou à beira da cama, todos terminam em frente à tv.
Deslizo pelos cabos da cidade dos arranha-céus. É tanta luz que todos ficaram cegos.
Tatiana Plens.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Única coisa que espero no amor: NOSTALGIA

NÃO DESEJO passado, ele me condena a um encontro nada-afável. Entro pela porta reta - nada se abre, nem ao menos à saudade de sentir por um alguém. Queria, ainda quero, um amor recíproco, onde ambos consigam chorar na primeira madrugada cheirosa que já existiu. Conhecer o pesado e saber como voltar. Descobrir que os Homens não são ruins. Pertencer ao um ciclo severo. Em meio a esses obstáculos, não irá ter desordem entre nós.
Minha família - veja seu filho casado e não sentindo nenhuma saudade de sua mulher. Eu a amo, para meus pais – isso já basta – pra mim não. Não quero amor: Maduro, para sempre, até logo, eu te amo.
Ficarmos longe por meses, talvez anos, ou simplesmente vermos todos os dias. Nesses dias haja – Nostalgia. Eu penso, eu quero, eu preciso, eu necessito. Eu apenas quero um amor Nostálgico.

(Valdinei Queiroz)

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Se eu não disse que penso, não volto para casa de meus tios

CAMINHADA POR RONDÔNIA – eu disse. Virada Paulista no interior de São Paulo – eu disse. Uma companhia agradável no próximo fim de semana – eu disse. A periodicidade de um carnaval com mais harmonia – eu disse. Razão por estar aqui – eu disse. Responsável por feitos e dinastias – eu disse. Maria, minha Mãe querida – eu disse. Apesar de que meu filho ainda nasceu, mas eu o amo – eu disse. Tatuagens, mentiras, um menino com fralda – eu disse. Meu amor, eu te amo – eu disse.
Eu disse – ninguém há de matar um ente meu. Eu disse – compaixão, viva o desencontro encontrado. Eu disse - tantas coisas que ainda nem lembro do próximo pensamento. Eu disse - Eu disse tantas coisas que até hoje ouço você dizer: - Eu disse.

(Valdinei Queiroz)

domingo, 17 de fevereiro de 2008

fazer-se de calos do tempo

De seu ventre nasceram três. Valentina, nascida de valentia, carregava as três estrelas de Maria, que do céu só viram as cores bem mais tarde pela janela, à beira da pia. No caminho só a passagem, comprovante de estar sozinha por mais um mês à segurar o telhado com as pontas dos dedos, ao mesmo tempo que entregava à mamadeira a três dentro do berço, fora do espaço do quarto, ocupado pelas pilhas de cadernos jogados pelos cantos há tempos. O que mais ela queria era que o caminho desviasse da cozinha, e fosse dar em algum lugar onde a luz não parte de tomada. Valentina viu desde cedo sua chama virar cinza. Entre as quatro paredes, ouvia de seu pai todo dia a mesma frase, onde está aquela puta vadia. Lembrou que mãe se perdia, a sua da janela fez ponto de partida, o que na verdade, era mais fim que começo. De qualquer jeito, ali ficou Valentina. Em descaso com o tempo, que foi veloz e tirou-lhe qualquer jeito de estar na rua, encontrar e ver qualquer movimento que não fossem marcas de pés sujos no tapete que lavaria logo após o meio dia. No futuro, era mais passado que havia. Mas das marcas fez linhas para completar os traços que indicavam outro lugar. Valentina segue fria fora ao portão. Dizia, aos gritos, aos berros, que outro caminho havia. Ninguém escutou. Decidiu seguir sozinha. Largou três na esquina, com a esperança e sorte alguma que havia de que a vizinha deixasse sua casa por um instante, naquele dia, e jogasse as crianças em um caminho menos traiçoeiro do que via em família. Os caminhos são círculos minha menina, mas quem puxa a linha e desfaz é você, dizia o pregador na primeira praça, sentado ao lado da caixa de sapato, único bem, do bem que fez ao pregar uma frase à valentia, nascida em corpo e esquecida em mente de fazer-se.
Tatiana Plens.

um pouco de calma;

Pequena criança selvagem, sem rumo, ganhou vida por entre as grades do portão. De onde crescem flores, que primam por sobrevivência, e lutam. Com o sangue que ficou preso pelas grades, na passagem do jardim. Saímos ilesos, saímos em parte, deixamos quebrados, no espaço, os pedaços, do que faz parte e forma o que pode ser. E nada mais do que pode ser, pois nada é...
Pequena criança, que corre pelo pátio, mesmo presa, e tenta qualquer forma de fuga. Do que está mais dentro do que fora dos portões. No decorrer, o que nasce morto, ganhou vida com outros. Mas o tempo tomou-lhe até os traços dos rostos, em lembrança. Até o que está em branco, pede por sobrevivência. Escorre sangue pelo pequeno corpo que perdeu a luta por sobreviver. As rosas ficaram presas sob as grades do jardim. Há quem esteja de olho do lado de fora, vejo lobos e eles procuram carniça.
Tatiana Plens.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Um governo sem garagem

A AMARGURA vontade de entrar nas duas garagens do suicídio e dizer: “Sou a calada, sou um povo que sofre, me empenho a vocês”. Não iria adiantar de nada todo esse discurso. Seria uma corrente vazia, um indivíduo querendo mudar o mundo, essa hipótese lembra Maquiavel, ele diz que pra conquistar o poder é preciso ter sorte também. A realidade do nosso povo, não entender o que acontece numa garagem, talvez numa casa.
Mudança em cada quatro anos, uns saem, outros ficam, àquele carro que conhece a maciota das ruas ficam por resto da vida. Esse lugar não parece ser familiar, o povo tenta entender o que lá acontece, o frio inunda as laterais, o medo corre solto no divã do acelerador, e o porão esconde até a alma mais varrida.
Tenho uma nova ordem, preciso que alguém garante que irá dá certo, exponho minha idéia à garagem, ela irá defender à nação, contra tudo.
Se o poder é objetivo de qualquer local que há mais de 500 m², o visitante não conseguirá tirar o carro da garagem.


(Valdinei Queiroz)